Hoje é meu último dia como espírito encarnado.
Talvez não o seja, mas é assim que eu devo pensar.
Eu explico. É que caiu a ficha e finalmente eu percebi a grandiosidade da vida - de ordinário, por nós tão desconsiderada em seus propósitos superiores... Esse pensamento trouxe-me nova, elevada disposição.
Por isso hoje eu levantei sorrindo.
Sorria, enquanto lavava o rosto...
Sorria, sentindo o perfume do café...
Sorria, ao pentear-me, contemplando o espelho, velho amigo que sempre se esforçou por manter-me aprumado, otimista.
Sinto-me diferente, hoje. Há musicalidade em mim.
Dá-me vontade de a todos tratar cordialmente, como gosto de ser tratado, e como nos deveríamos tratar naturalmente e sempre. Sei que estes valores estão em mim (estão em cada um de nós) aguardando resolução, maior entendimento, boa-vontade.
Saio à rua. Dia luminoso, dourado, o sol envolvente põe-me um sobretudo de luz.
Sinto o vivificante hálito da vida alcançando-me por dentro.
Percebo-o agora, diversamente, porque hoje eu o permiti...
Passo a ver Deus em tudo, a começar de mim mesmo, na capacidade de pensar, sentir, caminhar, cantar, falar, e tantas coisas mais... Na capacidade de AMAR, sintetizemos; que todos temos.
Sigo feliz.
Retiro uma pedra do meio da calçada para que alguém se não acidente.
Pouco depois, corro para encontrar um cachorrinho que atravessa a rua abanando a cauda, para dividir comigo a sua alegria. Comovo-me, mais adiante, ao ver os pombos suando no asfalto quente, disputando fraternalmente as migalhas de cada dia.
A fresca brisa matutina despenteia-me os cabelos que foram nevados precocemente, pelas muitas agitações, pelas correrias que teriam sido dispensáveis, em grande parte.
Tangidas pelo vento, num último esforço, rua acima, bulhentas, rolam folhas mortas trazendo aviso específico. No trajeto, cumprimento jovial alguém que me olha com indiferença. Até ontem, reconheço, eu faria o mesmo.
Satisfeito, coração em festa, volto a casa cantarolando uma canção predileta:
Fly me to the Moon, and let me play among the stars…
Minha casa!!! Meu oásis de paz!!! Enternecido, contemplo-a por alguns momentos, fitando-a com especial atenção - nunca pareceu-me tão bela!!! ...
Enlevado com as vibrações especialíssimas dessas duas encantadoras palavras, repito baixinho, para meu regalo: minha casa!!! – que pode ser um cantinho qualquer, onde se possa descansar das fainas de cada dia. Lugar onde tenho sido feliz com os amores que Deus me concedeu, aos quais, reconheço, não ter valorizado devidamente.
As coisas todas se me afiguram tão melhores agora, parecendo diferentes!!! E dizer-se que tudo sempre foi assim, faltando notar, simplesmente!
Pela memória ágil, o calidoscópio dos dias idos surge repentino, com seus flashes sucessivos. Quanto tempo malbaratado, Deus meu, quantos equívocos...
Bem... afinal, tudo é aprendizado, faz parte.. Mas vou cuidar (ora se vou) para que mais não ocorram como dantes, tão facilmente. Ademais, já não deve haver tanto tempo pra isso, eu creio; ele parece estar escasseando, devendo ser melhor aproveitado.
Os sinais estão por aí, correndo o mundo, e eu não sou melhor do que um haitiano, ou qualquer outro indivíduo de qualquer outra localidade...
Então... então, eu quero hoje viver como se fosse o meu último dia, para ofertar ao seu coração as flores de um sadio arrependimento pelas minhas falhas, falando de minhas novas, melhores, e tão significativas disposições...
Esperando que não, sou obrigado a admitir que amanhã poderei já não estar por aqui, encarnado. Assim é a vida. Se Deus me conceder mais tempo – horas, dias, meses, anos, o que for - hei de vivê-lo diferentemente do que tenho vivido até agora, um tanto displicentemente. Hei de saber valorizar ao máximo esse tempo, irmão gêmeo da própria vida, para torná-lo útil a mim e aos outros.
Aqui mesmo, ou em qualquer outra morada do infinito, ainda serei o filho que o Senhor da Vida deseja que eu seja. Depende de mim, como sempre, das minhas escolhas. Em caminho, seguirei me esforçando dentro da proposta: hoje melhor do que ontem; amanhã melhor do que hoje. Há sinceridade em meus propósitos, o que é absolutamente indispensável. Em havendo continuidade, favas contadas.
Como dizem os portugueses, tudo está bem quando acaba bem.
Agora, deixem-me cantar, porque o amanhã... ... bem, o amanhã a Deus pertence.
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