sexta-feira, 12 de março de 2010

O MELHOR

Ainda comentamos aquela manhã extremamente gelada de inverno em 1950, quando eu tinha oito anos.
Estava escovando os cabelos próxima ao fogão a lenha, com meu irmão mais velho e três irmãs pequenas, pois tentava aquecer-me enquanto mamãe preparava o mingau de aveia.
Escutamos alguns sons estranhos no andar de cima, como se fossem bolinhas de gude rolando pelo chão.
Papai subiu para verificar o que estava acontecendo, mas, quando chegou ao meio da escada, gritou:
"A casa está pegando fogo!".

Morávamos no campo, bem isolados, próximo a Orrock, em Minnesota.
Não tínhamos telefone, portanto, antes de qualquer ajuda chegar,
todos os nossos pertences e a casa foram consumidos pelo fogo.
Fotografias da família, a máquina de costura de pedal da mamãe e poucos objetos pessoais
- isso foi tudo o que conseguiram tirar da casa enquanto as meninas corriam para a casa dos vizinhos.

Naquele inverno, papai estava desempregado e, por conseguinte, não tínhamos nem dinheiro
nem seguro para repor o que havíamos perdido na casa. Ficamos com parentes alguns dias .
Não tínhamos muitas coisas antes do incêndio, mas eu nunca sentira nossa pobreza. Agora, eu vestia o vestido de outra pessoa, sempre muito grande, em uma casa sem cores, sem cortinas, tínhamos uma mesa manchada de tinta, com cadeiras desemparelhadas, de diversas formas e tamanhos, toalhas usadas - isso tudo me levava às lágrimas. Havíamos ficado pobres, pessoas que não tinham o melhor.
Aquela foi uma época difícil e sombria para nós.

Um dia, porém, uma vizinha nos deu um presente.
Ela entregou para minha mãe um conjunto de fronhas novinhas, lindamente bordadas à mão.
A visão dessas fronhas de algodão branco, dobradas de forma a mostrar o bordado floral em rosa,
azul-violeta e verde, quase tirou meu fôlego.
Mal podia acreditar que ela havia realmente nos dado algo tão bonito.
Os outros nos deram o que não queriam mais, mas essa vizinha nos deu o melhor que tinha!

Quando tivemos aquela terrível experiência, o incêndio que consumiu nossa casa, não fazia muito tempo que morávamos nessa comunidade e, como nos mudamos logo dali, perdemos contato com os vizinhos.
Hoje, quase 50 anos depois desse incidente, não lembro mais quem nos deu aquele lindo presente, mas jamais esquecerei a sensação de valor próprio que essa atitude foi capaz de resgatar.
Acho que devemos ter algum valor para que alguém nos presenteie com algo tão bonito e precioso quanto aquelas fronhas bordadas à mão.

Esta é uma das minhas lembranças favoritas e, muitas vezes,
é o exemplo que direciona minhas próprias ações.
Esses vizinhos deram o melhor que tinham.

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